Lei do NÃO Licenciamento Ambiental representa retrocesso de décadas

Cofundador do IPAM afirma que o PL aprovado pelo Senado Federal “arranca as raízes da nossa ação constitucional e da construção democrática, colocando em risco os direitos dos brasileiros a um futuro minimamente equilibrado”

Paulo Moutinho, cofundador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), aponta que a Lei do Licenciamento Ambiental "é uma afronta real à Constituição." Foto: IPAM; Agência Senado; Edmar Barros / Amazônia Latitude.
Paulo Moutinho, cofundador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), aponta que a Lei do Licenciamento Ambiental "é uma afronta real à Constituição." Foto: IPAM; Agência Senado; Edmar Barros / Amazônia Latitude.
Paulo Moutinho, cofundador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), aponta que a Lei do Licenciamento Ambiental "é uma afronta real à Constituição." Foto: IPAM; Agência Senado; Edmar Barros / Amazônia Latitude.

Paulo Moutinho, cofundador do IPAM, aponta que a Lei do Licenciamento Ambiental “é uma afronta real à Constituição.”
Foto: IPAM; Agência Senado; Edmar Barros / Amazônia Latitude.

A aprovação da Nova Lei do Licenciamento Ambiental pelo Senado Federal na última quarta-feira, 21, por 54 x 13 votos, ameaça biomas como a Amazônia e o Cerrado e representa uma contradição ao posicionamento que o Brasil tem tomado nas últimas décadas como um país que cobra ações de mudanças climáticas, como a redução de emissões de gases de efeito estufa, em especial por uso do combustível fóssil.

Com o afrouxamento das regras para a obtenção do Licenciamento Ambiental, os empreendimentos de pequeno porte, que representam a grande maioria, ficam isentos de estudos prévios. Nesse contexto, os Estudos de Impactos Ambientais (EIA) são dispensáveis, devendo a autoridade licenciadora exigi-los apenas em casos excepcionais.

A Amazônia Latitude ouviu o doutor em ecologia, cientista sênior e cofundador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), Paulo Moutinho, sobre o assunto. Na entrevista, realizada pela jornalista Mara Régia, a perspectiva é que o Governo Federal, mediante a aproximação da COP30, vete o Projeto de Lei. Ou, ainda, que haja a intervenção de outros órgãos para que se alcance, pelo menos, uma redução dos danos causados.

“Eu acho que tem uma chance grande do Supremo se manifestar, porque isso atinge alguns pontos da Constituição brasileira de uma forma muito direta. O histórico de desastres, mesmo com esse processo que nós temos, atual, que os parlamentares querem mudar e que é relativamente rigoroso, já é enorme. Imagina quando você flexibiliza esse licenciamento, botando coisas como autolicenciamento, autodeclaração de que tá tudo bem, que não vai acontecer nada com uma iniciativa, um empreendimento, quando o histórico mostra exatamente ao contrário”, pontua Paulo Moutinho.

Essa flexibilização a que ele se refere é encontrada em diversos trechos do texto da Lei. Para o pesquisador, o que aconteceu no Congresso é uma afronta à Constituição, que garante um clima e um meio ambiente equilibrados para todos os brasileiros.
Mais ainda, as mudanças propostas ameaçam os mais vulneráveis, como os povos indígenas e as comunidades tradicionais da Amazônia. Em se tratando da ausência de um licenciamento que previne desastres, há uma ameaça direta ao futuro e aos direitos constituídos, inclusive uma clara ampliação nas problemáticas de indenizações.

Afetando a preservação dos territórios ancestrais, a Nova Lei do Licenciamento Ambiental promove um discurso antigo – o de aceleração do desenvolvimento nacional. Coloca, assim, o Estado, em uma posição de coadjuvante, permitindo com que as autoridades licenciadoras disponibilizem, em seus sítios eletrônicos, uma certidão declaratória de não sujeição da atividade ou do empreendimento ao licenciamento ambiental. Uma licença gratuita e automática.

A simplificação da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) das atividades e empreendimentos de pecuária intensiva de médio porte e a conferência do Relatório de Caracterização do Empreendimento (RCE) por amostragem, assim como a realização de vistorias, anulam a necessidade de fiscalização.

Se, em um processo com Licenciamento Ambiental, onde já há certo rigor, ainda há uma série de negligências, a flexibilização torna o cenário assustador. Uma verdadeira incoerência para o país que vai sediar a COP30, como lembra o entrevistado:

“Em um ano em que a gente vai fazer a COP30, é um tiro na credibilidade histórica que o país construiu ao longo de muito tempo, de várias outras COPs no passado. O Brasil sempre se colocou como uma liderança na cobrança de ação do mundo, especialmente dos países desenvolvidos. E neste momento, um retrocesso no licenciamento é um tiro nessa credibilidade histórica como liderança. Portanto, certamente a gente enfrentará um questionamento muito grande durante a COP30, do passo que o país está dando agora, que os seus representantes estão dando, agora, dentro do Congresso Nacional”, Paulo Moutinho.

Apesar da pressão a ser enfrentada a partir da interpretação das delegações da COP30, para Moutinho o veto ao PL deve acontecer independente da Conferência das Partes. Do contrário, representaria uma conivência do Governo Federal com a degradação ambiental e a derrocada do papel de liderança que o Brasil vem assumindo desde a Rio 92, além da quebra com os compromissos assumidos internacionalmente no combate às mudanças climáticas. O cientista reitera que é preciso olhar “não só para um distanciamento mais grosso, como também para a questão de apoio a combustíveis fósseis e a exploração de petróleo, principalmente na Amazônia. Ou seja, a interpretação será, não só mudança de rumo, mas uma negação da história que o país construiu dentro das convenções de clima”.

Para ele, a medida representa uma esquizofrenia acintosa, um risco à habitabilidade do planeta. A aprovação da Nova Lei de Licenciamento Ambiental ignora as decisões da Ciência e os eventos extremos que estamos vivendo.

“Nós tivemos esse país inteiro queimando há menos de 15 meses atrás. E de novo se faz uma série de considerações em afrouxar o cuidado com o meio ambiente de uma maneira que parece que não aconteceu nada ou não está acontecendo nada. Então essa miopia dos parlamentares e muitas vezes de governo e de parte da população nos cobrará um preço muito alto. Já está cobrando, eu diria, mas será muito maior no futuro. E quem vai pagar essa conta? As próximas gerações de brasileiros, os jovens hoje que estão assistindo a esse processo de degradação e retrocesso de proteção ambiental”, Paulo Moutinho.

O impacto, na verdade, já vem sendo sentido pelas novas gerações. Um alerta feito pela Revista Clima Info chama atenção para o fato de que as crianças nascidas nos anos 2020 irão enfrentar extremos climáticos sem precedentes. Uma resposta ao não cumprimento de diversos acordos, como o de Paris, que visava salvar, pelo menos, 40 milhões de recém-nascidos e 654 milhões de jovens entre 5 e 18 anos.

Paulo Moutinho reitera que a mudança climática não é algo para o futuro, é algo que está acontecendo agora. Regiões como a Amazônia e o Cerrado já vivenciam aquilo que era previsto para 2050, como a redução de chuvas e o aumento extremo da temperatura.

Apesar disso, o cientista acredita que a sociedade brasileira tem condições de mudar os rumos que estão sendo tomados em direção à sustentabilidade e que é preciso ter um olhar atento para não responsabilizar a juventude pelas escolhas que não foram feitas por ela. Sobre o PL aprovado, Mara provoca:

Mara Régia: Eu acho que, mal comparando, o que passou no Senado foi um verdadeiro correntão, né?

Paulo Moutinho: Exatamente, que arranca, inclusive, as raízes da nossa ação constitucional, da nossa construção de uma democracia, onde os direitos dos brasileiros a um futuro minimamente equilibrado ficam ameaçados. Parece ser um exagero isso, as pessoas podem dizer: “ah, mas não é bem assim”. Olhem pro passado, olhem pra Mariana, olhem pro que está acontecendo, o que aconteceu na Amazônia ou no Cerrado com os incêndios, com a falta d ‘água.

Agora, a Nova Lei do Licenciamento Ambiental volta para a Câmara dos Deputados, que tem o poder apenas de aceitar ou rejeitar as alterações propostas. São mudanças drásticas frente a um momento de um avanço sério e rápido da crise climática, resultado exatamente do modo como o homem tem usado o planeta e os recursos naturais. Há um contrassenso enorme tomado pelos parlamentares ao aprovar esse PL, complementa o especialista:

“Se nós passarmos algo como isso como lei e com sanção presidencial, basicamente vai ser uma interpretação de que o Brasil mudou de time, mudou de rumo, né, de estar negando a sua história de liderança verde em cobrar mais ambição do mundo para solucionar o problema da mudança do clima. Porque nós temos que lembrar que as delegações interpretam essas coisas não só olhando para o Governo Federal, mas ela olha o conjunto da obra, o que o Congresso está propondo? O que os representantes do povo brasileiro estão propondo quando, na verdade, essa proposição ameaça esse povo brasileiro? Então isso tudo será considerado, é um pacote só, e será para a imagem brasileira algo muito ruim durante a COP”.

Espera-se que, com a repercussão que a temática tomou na última semana e a união de ambientalistas, jornalistas, comunidades tradicionais e demais populações atingidas, esse quadro mude:

“O quanto de vidas vamos perder, o quanto de direitos vão ser desrespeitados, né? E o quanto a Constituição será afrontada. É um momento de seriedade, um momento de reflexão importante dos tomadores de decisão e eu espero que na Câmara a gente tenha o espaço para demonstrar o erro na trajetória que está tendo cometido nesse momento”, conclui Moutinho.

Entrevista: Mara Régia Di Perna
Texto e Revisão: Juliana Carvalho
Montagem de Página: Alice Palmeira
Direção: Marcos Colón

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