Carta dos Povos: o mandato popular de justiça climática entregue à presidência da COP30

Denúncias de racismo ambiental, críticas à impunidade corporativa e a visão do Bem-Viver para o futuro climático.

O documento que sintetiza as exigências de Justiça Climática, elaborado pela Cúpula dos Povos (12-16/11), é entregue oficialmente às autoridades que conduzirão as negociações da COP30.
O documento que sintetiza as exigências de Justiça Climática, elaborado pela Cúpula dos Povos (12-16/11), é entregue oficialmente às autoridades que conduzirão as negociações da COP30.
O documento que sintetiza as exigências de Justiça Climática, elaborado pela Cúpula dos Povos (12-16/11), é entregue oficialmente às autoridades que conduzirão as negociações da COP30.

O documento que sintetiza as exigências de Justiça Climática, elaborado pela Cúpula dos Povos, é entregue
oficialmente às autoridades que conduzirão as negociações da COP30. Foto: Isabela Leite/Amazônia Latitude.

A Cúpula dos Povos rumo à COP30 culminou em uma articulação voltada à entrega da Carta dos Povos ao presidente da Conferência das Partes da ONU sobre o Clima (COP30), André Corrêa do Lago. O processo integra o eixo temático “Transição Justa, Popular e Inclusiva: Pelo fim da era dos combustíveis fósseis e pela construção de uma democracia energética a partir dos saberes populares”. O documento sintetiza as demandas de justiça climática após dias de encontros e debates dentro e fora da UFPA, estruturados em torno da solidariedade internacional e da defesa de seus direitos.

Com o objetivo de mobilizar a sociedade e consolidar o documento, a agenda destacou eventos como a Grande Marcha dos Povos por Justiça Climática e o Banquetaço. As demandas centrais incluem uma transição energética justa, reparação pelos danos ambientais e sociais – sobretudo às comunidades tradicionais e populações periféricas – e financiamento climático equitativo, direto e público. A entrega formal da Carta ao embaixador aconteceu no dia 16 de novembro.

Essa Carta não é um mero documento protocolar. Ela é concebida como uma ferramenta popular de pressão política internacional, sintetizando o conjunto de denúncias, propostas e exigências dos movimentos sociais globais. Busca, assim, ampliar a incidência dos movimentos nas negociações oficiais da COP30. Reúne, portanto, reivindicações sistematizadas a partir de consultas, assembleias e debates da Cúpula. O objetivo é fortalecer a cobrança internacional por mecanismos de responsabilidade, participação social e garantia de direitos nos processos de transição energética.

Articulação global e construção da carta

Durante cinco dias, a Cúpula dos Povos se consolidou como um encontro massivo, reunindo lideranças e ativistas de cinco continentes. Foto: Alice Palmeira/Amazônia Latitude.

A Cúpula dos Povos se consolidou como um encontro massivo, reunindo lideranças e ativistas de cinco continentes. Foto: Alice Palmeira/Amazônia Latitude.

De 12 a 16 de novembro, a Cúpula dos Povos se consolidou como um encontro massivo, reunindo lideranças e ativistas de cinco continentes. Entre eles, representantes indígenas, quilombolas, pescadores, comunidades rurais e urbanas periféricas, além de organizações e redes de articulação engajadas na agenda climática e ambiental.

A discussão sobre os rumos climático e social teve destaque na Articulação dos Movimentos Sociais da Cúpula, realizada em 14 de novembro. O encontro contou com porta-vozes que defendem mudanças profundas nos modelos econômicos atuais. O debate conectou análises globais e locais sobre a necessidade de enfrentar estruturas de exploração de recursos naturais e de assegurar direitos às populações do Sul Global.

O movimento estabeleceu um objetivo comum: construir uma mobilização unificada baseada na experiência compartilhada de impactos do capitalismo. Esse processo resultou em um documento de referência para a Declaração Final da Carta, elaborado com contribuições de quase 30 ativistas.

A perspectiva da classe trabalhadora brasileira foi apresentada por Rosalina Amorim, secretária Nacional de Meio Ambiente da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Ela defende a democratização do acesso à energia e critica modelos de transição energética que não garantem infraestrutura às comunidades isoladas, impondo novos custos. Para Rosalina, estar na linha de frente desse debate é essencial para evitar que o acesso à energia reforce desigualdades.

Além das soluções de mercado

Para Fernando Tormos-Aponte, sociólogo político e pesquisador da Just Transition Alliance (EUA), a urgência exige mudanças que transcendam as simples soluções de mercado. “[…] Vemos o impacto desse sistema na privatização de todos os serviços sociais, onde aquilo que não gera lucro não merece atenção. Propomos, portanto, um sistema diferente que não coloque o lucro antes da vida. E para isso temos que ter uma transformação sistêmica. Nós sabemos que essa transformação é um processo que leva a outras pessoas afetadas por essas transições. E essa é uma aposta na democracia”, comenta.

O ativista Farai Maguwu, Diretor Fundador do Centre for Natural Resource Governance (Zimbábue), traz a perspectiva africana da luta contra a exploração de recursos naturais e os abusos de direitos humanos. Sua organização atua com pesquisa e defesa para promover a boa governança dos recursos. Sua atuação na denúncia de crimes relacionados à exploração de diamantes no Zimbábue ressalta a importância de controlar o capital transnacional e de garantir a soberania sobre os recursos naturais.

Carta dos Povos: uma ferramenta de pressão global

Participantes da Cúpula dos Povos celebram a entrega das demandas, em um momento marcado por cantos, rituais e a união de ativistas de mais de 60 países, simbolizando a luta contínua pela justiça climática. Foto: Alice Palmeira.

Participantes da Cúpula dos Povos celebram a entrega das demandas, em um momento marcado por cantos, rituais e a união de ativistas de mais de 60 países, simbolizando a luta contínua pela justiça climática. Foto: Isabela Leite/Amazônia Latitude.

Enquanto a agenda oficial da COP30 avança, movimentos sociais e comunidades de base se organizam de forma autônoma. A Carta dos Povos se consolida como o principal instrumento popular de pressão internacional, reunindo denúncias e exigências relacionadas ao racismo ambiental, às soluções de mercado e à impunidade corporativa.

A força da Cúpula se expressa em seis eixos estratégicos que compõem o mandato popular para exigir caminhos orientados pela Justiça Climática e pelo Bem-Viver:

  • Territórios e Maretórios Vivos;
  • Reparação Histórica;
  • Transição Justa, Popular e Inclusiva;
  • Contra as Opressões;
  • Cidades Justas e Periferias Urbanas Vivas;
  • Feminismo Popular.

Construída coletivamente por mais de 1.100 entidades e movimentos, a Carta evidencia uma mensagem final clara: as soluções não virão apenas das salas de negociação, mas do poder e da articulação dos povos, prontos para confrontar a COP30 caso a agenda popular não seja incorporada.

A entrega da Carta 

A entrega do documento ocorreu na manhã do domingo, 16 de novembro, na Universidade Federal do Pará (UFPA), e tornou-se um marco simbólico na trajetória política da Cúpula dos Povos rumo à COP30. Em um ambiente tomado por lideranças comunitárias, representantes internacionais e vozes historicamente silenciadas nos grandes processos de negociação climática, os movimentos entregaram oficialmente o documento ao presidente da Conferência das Partes, André Corrêa do Lago. 

O ato também contou com a apresentação da Carta da Cúpula da Infância por crianças e adolescentes, ampliando o horizonte político da mobilização e reafirmando que a justiça climática é uma pauta que atravessa todas as gerações.

Crianças e adolescentes apresentam a Carta da Cúpula da Infância, ampliando a pauta política e exigindo que a proteção do planeta seja prioridade para todas as gerações. Foto: Alice Palmeira.

Crianças e adolescentes apresentam a Carta da Cúpula da Infância, ampliando a pauta política e exigindo que a proteção do planeta seja prioridade para todas as gerações. Foto: Alice Palmeira/Amazônia Latitude.

O clima da cerimônia era de reafirmação coletiva e sentimento de batalha vencida, em um contexto de luta contínua. Cantos, rituais, faixas e bandeiras demarcavam o caráter plural do encontro, que reuniu povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, trabalhadores urbanos, juventudes e organizações de mais de 60 países.

A abertura foi conduzida por um dos maiores nomes da luta indígena nacional: o Cacique Raoni. Ele reafirmou a urgência de proteger territórios e modos de vida ameaçados pela crise climática e lembrou que os alertas indígenas antecedem o reconhecimento internacional da emergência ambiental. O Cacique convocou a todos a manterem a luta e a cobrarem líderes mundiais:

“Mais uma vez, peço a todos que possamos dar continuidade nessa missão de defender a vida. A vida da terra, do planeta. Eu espero que, um dia, possamos derrubar o problema que está acontecendo hoje. Também devemos ter um diálogo com autoridades, chefes de Estado, para que eles possam também dizer para aqueles que querem desmatar, para aqueles que querem garimpar, explorar a terra, para que não haja mais esse tipo de atitudes, aqueles que querem destruir tudo o que tem na terra”.

A entrega das Cartas mobilizou representantes do governo brasileiro, que reconheceram o papel estratégico da sociedade civil na construção da COP30.

O presidente da Conferência reforçou que a participação popular altera profundamente o formato tradicional das Conferências das Partes e se comprometeu com o registro do recebimento dos documentos, classificando esse momento como fundamental para “fortalecer a posição do Brasil nessas negociações”. A expectativa, segundo ele, é que a COP30 “seja lembrada como a COP da virada”.

André Corrêa do Lago, presidente da COP30, discursa durante o recebimento da Carta dos Povos, reconhecendo a importância da participação popular para "fortalecer a posição do Brasil nas negociações". (À esquerda, a Ministra Marina Silva.). Foto: Alice Palmeira.

André Corrêa do Lago, presidente da COP30, discursa durante o recebimento da Carta dos Povos, reconhecendo a importância da participação popular para “fortalecer a posição do Brasil nas negociações”. Foto: Isabela Leite/Amazônia Latitude.

A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, contextualizou a historicidade do encontro ao destacar que a COP30 registra “a maior e melhor participação indígena da história das COPs”. Ela comparou o cenário atual com a COP28, na qual “a gente era apenas um para sete lobistas do petróleo e da mineração”, e reforçou que a democracia exige participação popular, tornando o processo de escuta promovido pela Cúpula dos Povos indispensável para a implementação justa do Acordo de Paris.

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, levou ao público a mensagem oficial de encerramento da Cúpula enviada por Lula. No texto, o presidente afirmou que “a COP30 não seria viável sem a participação de vocês”, reconhecendo a força das mobilizações e destacando a urgência de “mudar nossa relação com o planeta”. Lula defende que esta deve ser “a COP da verdade”, cobrando decisões sobre transição justa, reversão do desmatamento e financiamento climático. Após a leitura, Marina adicionou uma fala emocionada sobre sua trajetória, reafirmando que enfrentar a crise climática exige coragem política e reassumindo o compromisso de chegar a 2030 com desmatamento zero.

Em seu discurso, Guilherme Boulos, secretário-geral da Presidência, não apenas destacou a força das manifestações da Marcha Global pelo Clima e a responsabilidade histórica do Norte Global pela crise, mas também anunciou compromissos concretos: consulta prévia e informada aos povos do Tapajós antes de qualquer projeto e a aceleração de novas demarcações de terras indígenas até 2026.

As demandas entregues simbolizam a consolidação de um mandato popular de justiça climática que poderá orientar disputas centrais dentro da COP30. As reivindicações vão além de propostas técnicas e expressam um projeto político de futuro baseado no Bem-Viver, na soberania dos povos, na proteção dos territórios e na superação das estruturas que sustentam o racismo ambiental e a exploração corporativa.

Com o encerramento da cerimônia, ficou evidente que a Cúpula dos Povos não apenas é um evento paralelo à COP30: ela tensiona, confronta e redefine seus contornos, reafirmando que não haverá soluções reais sem a presença ativa dos povos que vivenciam a crise climática em seus corpos e territórios.

Texto e Montagem da Página: Alice Palmeira
Revisão: Juliana Carvalho
Direção: Marcos Colón

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