Região central da Amazônia enfrentou uma redução histórica na área de águas abertas entre 2023 e 2024
Redução na cobertura da água traz dificuldade de acesso a alimentos e água potável na Amazônia
Lago Tefé na seca de 2023. Foto: Ayan Fleischmann / Acervo Pesquisadores Bori
Segundo um estudo publicado na revista “Environmental Research Letters”, a cobertura hídrica da região central da Amazônia diminuiu 8% nos últimos dois meses de 2023, em relação à média mensal.
O estudo, conduzido por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), em parceria com a instituições como a Universidade de Brasília (UnB); o Institut de Recherche pour le Développement (IRD), da França; e a Universidade Tecnológica do Uruguai; alerta para um cenário crítico e reforça a necessidade de medidas urgentes de mitigação.
O artigo já alertava para uma estiagem ainda mais extrema em 2024. Os dados de outubro deste ano já mostram uma diminuição de cerca de 18% na área de lagos maiores que 10 hectares, em relação ao mesmo período do ano anterior. Setembro de 2023 registrou 57.624 km² de águas abertas na Amazônia Central, enquanto o mesmo mês de 2024 contabilizou apenas 51.775 km², uma diferença de quase 6 mil km².
Para investigar os efeitos da seca do último ano sobre a extensão das águas abertas na Amazônia, incluindo reservatórios, rios e áreas alagadas, a equipe utilizou dados de sensoriamento remoto captados por Radares de Abertura Sintética ou SAR.
Esses sensores coletam informações sob diferentes condições climáticas e mesmo na presença de nuvens, fornecendo retratos detalhados da região a cada 12 dias. Os pesquisadores analisaram mais de 1.500 imagens que abrangem o período entre 2017 a 2024 e observaram como as mudanças na cobertura de água se distribuíram e afetaram a área.
Algumas áreas experimentaram quedas ainda mais extremas, como o Rio Negro, que alcançou seu nível mais baixo em 120 anos. “A estiagem provém de uma combinação de fatores”, explica Daniel Maciel, autor do estudo.
“Houve um aumento extremo de temperatura. Em alguns lagos, o calor superou os 40 graus Celsius. Isso, somado ao aumento do desmatamento e dos incêndios florestais, contribui para intensificar e prolongar a época de seca”, argumenta o pesquisador.
Novembro e dezembro de 2023 registraram os menores valores da cobertura de água desde o início da coleta de informações, em 2017, e lagos isolados tiveram reduções de até 80% em comparação com a média geral da estação seca.
A redução da água disponível afeta gravemente a biodiversidade e a subsistência de mais de 30 milhões de pessoas na região amazônica. “A estiagem severa resulta em uma diminuição no acesso a alimentos, educação, remédios, transporte e água potável”, destaca Maciel.
“Podemos ter uma mortalidade maior de peixes, a principal fonte de proteína animal nas comunidades mais remotas, e a seca também afeta a agricultura familiar, com a dificuldade de cultivar até a mandioca, cuja farinha é a base da alimentação de muitas pessoas”, continua o autor.
Ele também explica que a diminuição do nível de água aumenta a ressuspensão de sedimentos pela ação do vento, o que pode ocasionar a floração de algas tóxicas.
O pesquisador Ayan Fleischmann, do Instituto Mamirauá, destaca que a seca extrema afeta grande parte da Bacia Amazônica em novembro de 2024, isolando milhares de ribeirinhos e exigindo ajuda humanitária emergencial.
“Distribuição de kits de tratamento emergencial de água superficial, por exemplo, tem sido realizada para melhorar o acesso à água potável, mas ações como esta precisam ser alavancadas”, diz o cientista. “Além disso, é fundamental que se invista em medidas preventivas, como acesso permanente à água potável e a melhoria e descentralização de serviços de saúde”, completa Fleischmann.
Segundo Maciel, os resultados demonstram a urgência de medidas assertivas para redução de danos. “A redução do desmatamento, com controle, monitoramento e punição do desmatamento ilegal, o combate a incêndios florestais e o monitoramento em tempo real dessas ocorrências, o uso racional da água e a implementação de estratégias de longo prazo para combater as mudanças climáticas são algumas das ações importantes”, relata o autor.
Os planos futuros da equipe de pesquisa incluem entender como a mudança na área alagada afeta a qualidade da água e como isso pode impactar a biodiversidade ao longo dos anos.
Fonte: Agência Bori
Revisão e edição: Glauce Monteiro
Montagem de Página: Alice Palmeira
Direção: Marcos Colón