CEMEP em 2025: Nova expansão e a necessidade de resistência unificada
Mesmo com a revogação da Lei 10.820, a expansão do CEMEP para 132 novas localidades demanda a mobilização de educadores, estudantes e povos tradicionais pela defesa do ensino presencial


O CEMEP tem sido amplamente criticado por populações tradicionais e educadores. Fotos: Sintepp / Instagram, Sintepp Altamira / Instagram. Professora Silvia Leticia / Instagram. Marco Santos / Agência Pará. Arte: Isabela Leite / Amazônia Latitude.
A conquista da revogação da Lei 10.820 não foi suficiente para a Secretaria de Educação do Pará (SEDUC-PA) interromper a expansão do Centro de Mídias da Educação Paraense (CEMEP) neste ano de 2025. Mesmo após a luta com atuação destacada de lideranças de diversos povos indígenas, apoio de lideranças quilombolas e educadores e educadoras que atuam nos territórios do campo, a SEDUC-PA planeja levar aulas remotas de Ensino Médio a mais 132 novas localidades do campo, águas e florestas da Amazônia Paraense neste ano.
À revelia das populações originárias, tradicionais e camponesas e violando seu direito à consulta livre, prévia e informada, estabelecido com a Convenção 169/1989 da OIT, a Secretaria insiste com o seu projeto de necropolítica, expandindo o CEMEP para territórios do campo, das águas e das florestas e, assim, condenando o futuro das juventudes destas comunidades por oferecer a etapa final do Ensino Básico pela televisão, com aulas padronizadas transmitidas de estúdio em Belém, e apenas um professor-mediador por turma, com contrato temporário e de qualquer licenciatura, que interage com os estudantes em uma espécie de “reforço escolar”.
Essa situação só se efetiva no Estado do Pará graças aos acordos entre a SEDUC-PA e as prefeituras/secretarias municipais, e a conivência da maioria dos deputados estaduais, dos Conselhos de Educação (Estadual e municipais), e dos Tribunais de Contas (do Estado e Município). Esses atores não escutam o clamor dos povos e comunidades indígenas, ribeirinhas, extrativistas, quilombolas e camponesas, e desconsideram todo o seu esforço para assegurar o Direito de cursar o Ensino Médio diferenciado e presencial nos seus territórios e comunidades, em escolas públicas com condições dignas de funcionamento, como acontece nos territórios urbanos.
A Lei 10.820 foi revogada, entretanto, a manutenção do titular da SEDUC-PA, o aluguel de equipamentos eletrônicos com gastos exorbitantes e suspeitos e a realização de um amplo processo seletivo simplificado para contratação dos “professores de reforço”; indicam que essa forma esdrúxula de Ensino Médio remoto (CEMEP) vai continuar, e que sua interrupção, exige um movimento arrojado, que articule as entidades dos povos indígenas, ribeirinhos, extrativistas, quilombolas e camponeses com seus aliados, convergindo com o propósito comum: exigir a presença físicas das escolas em suas comunidades e territórios, com as mesmas condições das juventudes dos territórios urbanos.
Neste texto realizamos dois movimentos: apresentamos os ciclos de expansão do CEMEP, incluindo a nova expansão de 2025, e conclamamos a união de professores/as, gestores/as, lideranças indígenas, quilombolas, ribeirinhas, extrativistas e camponesas com suas entidades e organizações, estudantes, famílias, e seus aliados –, para fortalecer as lutas pela garantia do Direito à Educação Pública, Diferenciada e Presencial nos Territórios do Campo, Águas e Florestas do Pará.
Também disponibilizamos uma lista com todas as localidades e escolas de atuação do CEMEP em cada município com a expectativa de qualificar reivindicações dos movimentos e ações coletivas em cada uma dessas localidades.
Os três ciclos de expansão do CEMEP no Pará (2018-2025)
O CEMEP tem sua origem quando o Conselho Estadual de Educação aprovou o plano de implementação do Sistema Educacional Interativo- SEI (Resolução n° 202 de 25 de abril de 2017), apresentado pela SEDUC-PA como alternativa de oferta do Ensino Médio com transmissão de aulas via satélite a partir do Centro de Mídias, localizado em Belém, para as comunidades rurais mais diversas e de “difícil acesso” do Pará.
Mesmo sob intenso questionamento das comunidades do campo, águas e florestas atingidas, bem como dos profissionais da educação, e contra a Ação Civil Pública apresentada pelo Ministério Público do Estado do Pará1Procedimento Administrativo n° 000060-125/2018-MP/1ªPJ/DCF/DH, de protocolo nº 272398. Acesso aqui., solicitando a suspensão da oferta do Ensino Médio com o SEI, a SEDUC-PA, com a conivência do Conselho Estadual de Educação (CEE), deu prosseguimento ao seu plano de implantação do SEI e em 2018 instalou as primeiras antenas da Starlink em escolas municipais e deu início às aulas do programa.
Em nosso entendimento, existem até agora três ciclos de implementação e expansão do SEI/CEMEP, o recorte temporal de cada ciclo foi definido pelo alcance de uma quantidade de localidades. O primeiro ciclo ocorreu entre 2018 e 2023, atingiu 126 localidades em 31 municípios.

Figura 1 – Mapa dos municípios atendidos no I ciclo de implementação/expansão do SEI/CEMEP (2018-2023).
Os 31 municípios atendidos no Primeiro Ciclo de Implementação/expansão do SEI/CEMEP (2018-2023) foram: Almeirim, Alenquer, Prainha na Região do Baixo Amazonas (3); Placas, Uruará, Medicilândia, Vitória do Xingu e Pacajá na Região do Xingu (5); Gurupá, Chaves, Anajás, Breves, Melgaço, Curralinho, Bagre, Ponta de Pedras, São Sebastião da Boa Vista, Muaná e Portel na Região do Marajó (11); Santo Antônio do Tauá e São Miguel do Guamá na Região do Guamá (2), Cachoeira do Piriá e Viseu na Região do Caetés (2); Igarapé Miri, Baião e Moju na Região do Tocantins (3); Tucuruí, Goianésia do Pará e Itupiranga na Região do Lago de Tucuruí (3); Paragominas e Dom Eliseu na Região do Rio Capim (2).
O Segundo Ciclo de Expansão do CEMEP (2024), não mais denominado SEI, ampliou seu atendimento para mais 11 municípios, que passaram a ter a oferta do ensino médio de forma remota, em seus territórios, conforme evidencia a Figura 2. Neste ciclo, mais 121 comunidades foram atendidas. Somando essas novas localidades, o programa passou a atender 247 comunidades.

Figura 2 – Mapa dos Municípios atendidos no II Ciclo de expansão do CEMEP (2024).
Os 11 municípios acrescidos com o Segundo Ciclo de expansão do CEMEP (2024) foram: Oriximiná, Óbidos, Faro, Juruti, Santarém e Belterra na Região do Baixo Amazonas (6); Porto de Moz na Região do Xingu (1); Afuá na Região do Marajó (1); Cametá na Região do Tocantins (1); São Félix do Xingu e Cumaru do Norte na Região do Araguaia (2).
Com a expansão neste segundo ciclo, o CEMEP atendeu a maior porção do noroeste e o sudeste do Estado, visualizado com a cor laranja no mapa 2. Em termos de territorialização, o Programa se encontra fortemente implantado na Região do Marajó, em 12 dos 17 municípios dessa região; e na região vizinha do Baixo Amazonas, em 9 dos 13 municípios. Na região do Xingu, ele atende pouco mais da metade, em 6 dos 10 municípios da região. Ele ainda não atendia as regiões do Tapajós, Carajás e do Guajará (Região Metropolitana).
O Terceiro Ciclo de Expansão do CEMEP (2025), conta com uma parte das instalações já realizadas e está previsto para ser efetivado totalmente em 2025, com o atendimento de mais 9 novos municípios do Pará (Figura 3). Apesar de ser o Ciclo com menor número de novos municípios atendidos, é o que planeja a expansão para o maior número de localidades, ao propor atender mais 132 localidades.

Figura 3 – Mapa dos Municípios atendidos no III Ciclo de expansão do CEMEP (2025).
Os 9 municípios a serem atendidos com o Terceiro Ciclo de Expansão do CEMEP (2025) serão: Oeiras do Pará na Região do Marajó (1); São Caetano de Odivelas, Colares e Inhangapi na Região do Guamá (3); Altamira na Região do Xingu (1); Marabá e Piçarra na Região do Carajás (2); Rio Maria e Ourilândia do Norte na Região do Araguaia (2).
Com os três ciclos de expansão, O CEMEP atingiu apenas 51 dos 144 municípios do Estado (35%). Entretanto, o Mapa na Figura 3, evidencia o movimento de ocupação do CEMEP em grande extensão territorial do estado, quando consideramos a variação das tonalidades, da cor amarela para o laranja avermelhado: do centro-norte no primeiro ciclo, completando o Oeste e avançando para o Sudeste no segundo ciclo e intensificando sua presença no Sudeste do Estado no terceiro ciclo.
Sobre as 379 localidades de atuação do CEMEP
Com os três ciclos de expansão, o CEMEP atenderá um total de 379 localidades, com cerca de 10 mil matrículas de Ensino Médio. Em anexo, disponibilizamos uma lista que constam os municípios, as localidades e as escolas onde funcionam as turmas do CEMEP. Fazemos isso com a expectativa de fortalecer a luta nas localidades contra o ensino remoto e a favor da educação diferenciada e presencial nos territórios da Amazônia Paraense.
No mapa da Figura 4, estão as 379 localidades atingidas pelo CEMEP contrastando com apenas 91 escolas estaduais de Ensino Médio que funcionam em prédio próprio no estado, com direção e professores2Nota-se que a SEDUC-PA criou 99 escolas estaduais “fantasmas” em 2024. Essas escolas não possuem prédio e corpo de funcionários próprios, apenas um diretor para assinar diligências oficiais. A Secretaria criou anexos em 2023 e essas escolas em 2024 para alocar as matrículas de SOME e CEMEP a essas escolas rurais e assim receber um repasse maior por matrícula do MEC.. Aqui chamamos atenção para o fato de que o contraste evidenciado no mapa não ocorre apenas em termos quantitativos, mas também considerando as localizações dos dois tipos de oferta.
De um lado do mapa temos as escolas estaduais rurais de ensino médio concentradas no Nordeste paraense e ao longo do baixo Tocantins, regiões historicamente com alguma presença do estado e mais povoadas, de outro lado do mapa, a Secretaria implementa o CEMEP por uma longa extensão que vai em uma direção partindo da porção baixa do Tocantins e atravessando o interior da ilha do Marajó, e em outra direção, no sentido leste -> oeste subindo todo o rio Amazonas e ocupando as suas margens norte e sul até o limite com o estado do Amazonas. Paralelamente, o CEMEP também se estende ao longo da rodovia Transamazônica.

Figura 4 – Mapa de análise das 379 localidades do CEMEP em contraste com as 91 escolas estaduais de Ensino Médio localizadas nas áreas rurais do Pará.
Essa geografia da distribuição da oferta de Ensino Médio evidencia ao menos dois aspectos importantes: o primeiro trata do fato de que o CEMEP não é apenas um programa complementar da oferta na área rural, mas que tem sido compreendido pela SEDUC como a principal forma de oferta do Ensino Médio, considerando que o Sistema de Organização Modular de Ensino (SOME) tem sido fortemente atacado pelas novas políticas, ainda que ambas as ações – expansão do CEMEP e destruição do SOME – não sejam da vontade dos povos atendidos. Outro aspecto diz respeito à opção da SEDUC-PA por ofertar uma educação pouco vigorosa para áreas mais empobrecidas do Pará, o que fica evidente com a interpretação dos dados da Tabela 1, que apresenta os municípios com mais localidades atendidas pelo CEMEP nos seus três Ciclos de Expansão.

Arte: Fabrício Vinhas / Amazônia Latitude.
Os dados da Tabela 1 revelam que, entre os dez municípios com mais localidades atendidas pelo CEMEP, sete encontram-se na Região do Marajó. Apenas estes sete somam 116 localidades com o programa, o equivalente a um ciclo de expansão. Se somarmos todos os municípios da região, teremos 166 localidades com CEMEP no Marajó, quase a metade de todo o programa.
A concentração do atendimento na Região do Marajó evidencia a prioridade da SEDUC-PA de implementar o CEMEP em municípios mais carentes de infraestrutura, quando consideramos indicadores como a taxa de educação do Índice de Desenvolvimento Humano dos Municípios do Pará3Veja o o ranking de IDH-M Educação de municípios do Brasil aqui.. A Secretaria deveria agir no sentido contrário. Deveria prover nessas localidades escola estruturadas, com prédios próprios, professores com estabilidade, aulas presenciais e currículos territorializados, para combater a história desigual entre as regiões e afirmar a cultura e os modos de vida locais.
Diante deste cenário, de espraiamento territorial de política que ameaça a soberania dos povos do campo, águas e florestas por levar uma educação empobrecedora do ponto de vista da valorização e fortalecimento das culturas amazônicas, reforçamos a seguir importância da continuidade da luta coletiva em prol de uma educação presencial e diferenciada.
A revogação da Lei 10.820 foi uma grande conquista. Mas, o Movimento Unificado Fora CEMEP não pode parar!
Em muitos estados brasileiros a oferta do Ensino Médio remoto segue sua expansão galopante, especialmente quando o movimento social é tímido e não pressiona o poder público para que o Direito à Educação Pública, Diferenciada e Presencial seja assegurado às juventudes nas comunidades do campo, águas e florestas.
No Estado do Pará, os dados que reunimos sobre os três ciclos de expansão do CEMEP evidenciam sua presença na maior parte do território paraense; e em quase todas as regiões do Estado. Entretanto, os mentores e aliados desse programa têm “cortado um dobrado”, como diz o dito popular, para conseguir alcançar esses resultados.
Desde a sua aprovação no CEE em 2017 até 2025, o programa tem sido alvo de todos os tipos de crítica negativa pelas populações camponesas, indígenas, quilombolas, ribeirinhas e extrativistas; pelos educadores que atuam nos territórios rurais, pelos movimentos sociais; por pesquisadores e estudantes das universidades públicas; e por muitos outros aliados da sociedade civil, das entidades de justiça e de representantes do poder legislativo municipal e estadual.
As Expressões “Fora SEI” inicialmente, e “Fora CEMEP” na atualidade, “Aula pela televisão, aqui não!”, foram incorporadas nas incontáveis atividades e manifestações públicas e de massas nos quatro cantos do Estado do Pará, na forma de: ação civil pública, abaixo-assinado e plebiscito na internet pela extinção do programa, audiência pública nas câmaras municipais e assembleias legislativas, grandes encontros, mobilizações virtuais e presenciais nas comunidades e territórios, e em ocupação em rodovias de grande circulação e nas secretarias municipais e estadual de Educação.

Em protesto contra o CEMEP, comunidades do campo e ribeirinhas do Pará interditaram avenidas da capital em dezembro de 2024. Foto: Sintepp / Instagram.
No período mais recente muitas mobilizações massivas mostraram o descontentamento com a necropolítica educacional do Estado, que favorece o esvaziamento cultural e populacional das áreas rurais, a apropriação do patrimônio público pelas empresas privadas, a precarização e a intensificação do trabalho docente, o sucateamento das condições de funcionamento das escolas, o não cumprimento de repasses à manutenção das atividades letivas nos territórios, e a substituição crescente do atendimento presencial pelo Ensino Médio remoto.
A título de exemplo, um grupo expressivo de representação da Federação das Casas Familiares Rurais do Pará (CFRs-PA), incluindo educadores e educadoras, alunos, familiares e presidentes das associações locais, dos mais diversos territórios tradicionais e demais parceiros da Pedagogia da Alternância; veio à Belém em outubro de 2024, para uma reunião na Casa Civil e não foram recebidos. O grupo decidiu permanecer na cidade e organizar uma manifestação denunciando o não cumprimento, por parte da SEDUC-PA, do convênio que viabiliza o funcionamento das CFRs-PA há cinco meses sem receber. A Secretaria não está cumprindo com o pagamento do corpo docente, com a alimentação dos estudantes e com uniformes escolares, que não estavam sendo disponibilizados. Essa situação ainda está em aberto e as quase 30 escolas com currículos voltados ao povo do campo, ameaçadas.
Em outra luta paralela, o movimento SOMISTA se mobilizou no meio do segundo semestre de 2024 contra a orientação da SEDUC-PA às direções das escolas estaduais para que realizassem as matrículas dos concluintes do Ensino Fundamental dos territórios rurais diretamente no CEMEP e não no SOME, o que indicava mais uma medida de substituição do sistema modular pelas aulas remotas. Estudantes, pais e professores do SOME, junto com o SINTEPP, a CUT Pará e o Fórum Paraense de Educação do Campo, das Águas e das Florestas realizaram manifestações simultâneas em diversos pontos de Belém e de vários municípios paraenses denunciando a medida e qualificando o debate junto aos povos do campo.
Essa mobilização foi vitoriosa, pois arrancou da SEDUC-PA a promessa de que o SOME não seria extinto. Neste movimento, as expressões que mais ecoaram entre os manifestantes foram: “Aula pela televisão, aqui não!”; “Não queremos televisores, queremos professores e professoras ministrando aulas presenciais nos territórios dos povos camponeses, ribeirinhos, extrativistas, quilombolas e indígenas”.
Em uma escalada da SEDUC-PA, em 18 de dezembro de 2024, sem consulta popular ou audiência pública, a maioria dos deputados estaduais aprovou em regime de urgência e na última sessão deliberativa do ano, o Projeto de Lei nº 729/2024, de iniciativa do Poder Executivo. Este projeto se tornou então a lei 10.820, anunciada pelo Governo do Pará como modernizadora das atividades de ensino, mas que representava na prática um grande retrocesso para a Educação Pública como um todo e, especialmente, para a escolarização dos povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas e camponeses.
A lei em questão revogou o estatuto do Magistério de 1986, revogou a lei 7.442 – PCCR (Plano de Cargos, Carreiras e Salários) do Magistério, flexibilizando as gratificações dos profissionais de educação, que passavam a ser determinadas pela SEDUC-PA; revogou a lei 7.806/2014 do SOME, atingindo o SOMEI – Sistema de Organização Modular de Ensino Indígena e revogou uma lei que trata das aulas Suplementares. No dia 19 de dezembro a Lei 10.820/2024 foi sancionada e publicada numa edição extra no Diário oficial, em tempo recorde.
Uma grande manifestação dos trabalhadores e trabalhadoras da Educação da Rede Estadual de Ensino ocorreu em frente à Assembleia Legislativa do Estado no dia de votação da Lei. Os manifestantes foram duramente hostilizados e agredidos pela tropa de choque da Polícia Militar com balas de borracha, spray de pimenta e bomba de gás lacrimogêneo.
Nesse 18 de dezembro, tanto a dura repressão do Estado, quanto a aprovação da Lei que violava os direitos conquistados com muita luta e estabelecidos pela LDB e pela Convenção 169 da OIT, que assegura educação diferenciada e presencial nos territórios e a consulta prévia, livre e esclarecida aos povos indígenas e tradicionais, motivaram lideranças dos povos indígenas de todas as regiões do Pará – Arapyun, Jaraki, Tupinambá, Munduruku, Munduruku Cara-Preta, Borari, Tupayú, Maytapú, Sateré-Maué, Tapuia, Kumaruara, Wai-Wai, Katwena, Xerew, Hiskaryana, Mawayana, Paritwoto, Tikyana, Kaxuyana, Tiriyó, Xikrim e Tembé – a ocuparem o prédio da SEDUC no dia 14 de janeiro de 2025, realizando manifestações em seus territórios e bloqueio à rodovias com a firme reivindicação de revogar a Lei 10.820 e exigir a exoneração do Secretário de Estado da Educação.

Os manifestantes mantiveram, desde o primeiro momento, uma ocupação pacífica. Foto: Elielson Almeida / Amazônia Latitude
Este movimento, que ocupou a sede da Secretaria por quase um mês, ganhou projeção nacional com a resistência dos povos indígenas em face da intransigência da SEDUC e do governo Estadual. Com o apoio recebido dos quilombolas, do SINTEPP e de inúmeras entidades e organizações da sociedade civil e artistas; o movimento indígena afirmou que as conquistas da Educação Escolar Indígena não aconteceriam apartadas da garantia do Direito à Educação Pública para todos e fez com que o governo estadual fosse obrigado a recuar e revogar a lei recém criada.
A Lei 10.820 foi integralmente revogada em 12 de fevereiro de 2024, com a aprovação unânime dos deputados estaduais. O governo do estado desistiu da ação judicial que pedia a abusividade da greve dos docentes da Rede Estadual, concordou em não punir os manifestantes, e publicou decreto para criação de um Grupo de Trabalho para elaboração de uma nova lei para a educação pública do Pará, com participação de representantes do Estado do Pará, do SINTEPP e Povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e populações tradicionais. A política geral de Educação Indígena, também deverá ser definida neste processo.
Contudo, apesar da revogação, o projeto CEMEP continua a todo vapor com a implementação do terceiro ciclo de expansão, conforme mostramos ao longo deste texto. Isso ocorre porque, ao contrário do que pode ser equivocadamente entendido, a revogação da 10.820 não restringe a continuidade e expansão do programa, apenas não agrava a situação pelos prejuízos que ela traria ao SOME. A lei que permite a existência do CEMEP é a Reforma do Ensino Médio (alterada pela Lei nº 14.945/2024), que no inciso terceiro de seu artigo 35-B modifica a LDBEN estabelecendo que
O ensino médio será ofertado de forma presencial, admitido, excepcionalmente, o ensino mediado por tecnologia, na forma de regulamento elaborado com a participação dos sistemas estaduais e distrital de ensino” (BRASIL, 2024).
Portanto, como é o aval do CEE-PA baseado em lei nacional que permite o ensino mediado por tecnologia, e não na lei 10.820, é necessário dar continuidade à organização da resistência coletiva pela revogação da permissão de ensino mediado por tecnologia do CEE-PA para conter o avanço do programa remoto na última etapa da educação nos territórios do campo, águas e florestas do Estado do Pará, a fim de que esse tipo de oferta não se estabeleça e não se universalize como o que ocorre no Amazonas.
Somente a força das comunidades do campo, das águas e das florestas, das lideranças indígenas, quilombolas e camponesas, dos profissionais da educação, das famílias, dos estudantes articulados em uma aliança com a mídia alternativa, que tem surgido no Pará e se mostrado tão potente, poderão fazer frente a esse projeto neoliberal de apagamento das culturas e de desterritorialização das populações da Amazônia Paraense.
Referências
Felipe Garcia Passos é professor do Instituto Federal do Pará (IFPa) e doutorando do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo (USP). Desenvolve pesquisa e extensão em políticas educacionais, ensino de geografia e linguagem cartográfica no IFPA e no Laboratório de Ensino de Geografia e Material Didático (LEMADI-DG-USP).
Salomão Antônio Mufarrej Hage é professor titular no Instituto de Ciências da Educação da UFPA, com doutorado em Educação e Currículo pela PUC-SP e doutorado sanduíche pela Universidade de Wisconsin-Madison. Coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação do Campo na Amazônia (GEPERUAZ) e integra a coordenação do Fórum Paraense de Educação do Campo. Além disso, lidera a Escola de Conselhos Pará, voltada à formação continuada de conselheiros tutelares e de direitos na Amazônia Paraense.
Revisão: Glauce Monteiro
Montagem da Página: Alice Palmeira
Arte: Fabrício Vinhas
Direção: Marcos Colón