Desnaturada: é hora de voltar a ver a Terra como a nossa Mãe

A nova edição de "Desnaturada", coletânea organizada por Ailton Krenak e Fabiano Piúba, aborda a urgência de ver a Terra não como recurso infinito, mas como ser vivo

Ailton Krenak e Fabiano Piúba com seu livro Desnaturada. Fotos: Marcos Colón / Amazônia Latitude; Fabiano Piúba / Bienal do Livro do Ceará / Divulgação. Jandaíra / Divulgação.
Ailton Krenak e Fabiano Piúba com seu livro Desnaturada. Fotos: Marcos Colón / Amazônia Latitude; Fabiano Piúba / Bienal do Livro do Ceará / Divulgação. Jandaíra / Divulgação.
Ailton Krenak e Fabiano Piúba com seu livro Desnaturada. Fotos: Marcos Colón / Amazônia Latitude; Fabiano Piúba / Bienal do Livro do Ceará / Divulgação. Jandaíra / Divulgação.

Ailton Krenak e Fabiano Piúba com seu livro Desnaturada. Fotos: Marcos Colón / Amazônia Latitude; Fabiano Piúba / Bienal do Livro do Ceará / Divulgação. Jandaíra / Divulgação.

Quando uma mãe usa o termo “desnaturado”, ela reclama da ingratidão e desumanização dos filhos diante de todo o amor que lhes despendeu. Da mesma forma, como filhos da Mãe Natureza nos tornamos ingratos por termos nos distanciado dela. É esse o conceito trazido pelo livro Desnaturada – Cultura e Natureza, organizado pelo escritor, socioambientalista, líder indígena e professor doutor Ailton Krenak e pelo professor e escritor, Fabiano Piúba.

Na obra, cuja nova versão já está disponível, cientistas e líderes indígenas refletem sobre sustentabilidade e propõem o resgate de ideias ancestrais de cultura e natureza como inseparáveis da nossa identidade.

O livro contém ensaios do professor-doutor e pesquisador em Estudos Culturais Marcos Colón; do engenheiro florestal e professor Fábio Scarano; do desenhista, pintor e mestre em Literatura Fernando França; da liderança indígena Mateus Tremembé; da diretora do Mercado AlimentaCe Marina Araújo; da bióloga Nurit Bensusan; do antropólogo Ronaldo de Queiroz Lima; do fundador da ONG espírita Casa da Sopa Leonardo Soares Rodrigues; da professora-doutora em Ciências da Educação Sandra Petit; e das gêmeas e integrantes do Grupo de Valorização Negra do Cariri, Valéria e Verônica Carvalho.

O grupo compara ser “desnaturado” a um astronauta que avista a Terra à distância: ele veio dela, mas naquele momento não faz parte dela. Se não nos sentimos parte da natureza, se é apenas algo do qual ouvimos falar na mídia, ela não nos afeta emocionalmente e não temos tanto interesse no seu cuidado.

A origem desse distanciamento é cultural. Antes, em todo o mundo, incluindo a Europa, muitas sociedades viviam em comunhão com a natureza porque suas cosmologias a colocavam como digna de respeito.

O avanço tecnológico e a colonização criaram a visão capitalista em voga, que se fortaleceu com a industrialização: a natureza se tornou mera fonte de recursos. Como em uma linha de produção de fábrica, o meio ambiente deve prover alimentos, minérios, madeira e outros elementos em um ritmo muito acima do que ele mesmo pode oferecer. As próprias pessoas seguem essa linha de produção: consumir desenfreadamente e cumprir rotinas exaustivas é o novo normal.

A consequência são os rastros de destruição deixados nas florestas, nos rios, nos animais e populações que nelas vivem, e que não seguem essa mentalidade. Se em territórios como a Amazônia ainda é possível reconstruir o que foi impactado, em outros não mais. A humanidade caminha para uma condição de refúgio climático.

É preciso aproximar as pessoas comuns da Mãe Terra.

O ocidente imprimiu no pensamento da humanidade contemporânea uma ideia abstrata de natureza, que quase se confunde com a realidade virtual das novas tecnologias. Muita gente acha que é possível reproduzir, não produzir na origem, mas reproduzir uma natureza tão fantástica e maravilhosa que deixa a Terra para trás, que pode ser feita artificialmente até em outros planetas. Só a abstração do ser humano seria capaz de atinar isso, porque todos os outros seres vivem em sincronicidade e em constante transformação. Nós somos o que nós próprios chamamos de mundo: a água, a brisa. Somos nós, essa organicidade da vida”.

As palavras são do próprio Ailton Krenak, proferidas durante o Seminário “Desnaturada: Chamado Ancestral”, que aconteceu de 14 a 16 de maio, no Parque Cultural Casa do Governador, na Praia da Costa, em Vila Velha-ES. O evento, que pode ser assistido na íntegra no canal da TV Educativa, no YouTube, foi uma releitura do ciclo realizado pela primeira vez em 2022, no Ceará.

Krenak, juntamente com o professor e escritor Fabiano Piúba, promoveram rodas de conversa com profissionais da área de Biologia e Ecologia, como Fábio Scarano e Nurit Rachel Bensusan, e com lideranças indígenas e quilombolas, como Marcelo Guarani Werá Djekupé. Na ocasião, lançaram a nova versão do livro Desnaturada – Cultura e Natureza.

A proposta do líder e socioambientalista é aproximar o debate acadêmico e a sua vivência indígena das pessoas que estão “desconectadas” desta realidade. Os direitos da natureza são apresentados com a pergunta: o que nós, os humanos, nos tornamos dentro da cadeia da vida no planeta?

Além do conceito de “cidadania”, Krenak sempre levanta o de “florestania”: a garantia dos direitos da natureza para lidar com a vida a partir da memória, da espiritualidade e do amor. Nesse contexto, não há hierarquia entre o ser humano e o meio ambiente. É possível aprender com o modo de viver de uma árvore ou de um pássaro. Somos todos um mesmo organismo.

Enquanto a História tradicionalmente é contada sob uma perspectiva de conflito entre povos diferentes, o que nos condenou a ter o presente como ele é, a Antropologia apresenta outros pontos de vista que retiram esse fatalismo do agora. Se outros caminhos poderiam ter sido possíveis, “desnaturalizar” essa perspectiva nos convida a enxergar possibilidades para o futuro.

É preciso então “regenerar o que a Modernidade fraturou”: colar de volta os conceitos fragmentados de “cidade x floresta”, “passado, presente e futuro”, “eu, nós e os outros”. Ao resgatar os saberes ancestrais de quem não pertence à hegemonia capitalista, se resgata a conexão com o todo. Ailton Krenak remedia:

A desnaturada é esse organismo chamado de Gaia, o Planeta Terra. Existe uma via para que as pessoas que estão fatigadas, com sofrimento mental e outros estados de desconexão consigo mesmo e com o sentido da vida, se reconectem com a natureza. Se as pessoas acham estranho quando digo o quanto é agradável abraçar uma árvore, eu percebo que elas já achavam esquisito abraçar umas às outras. Estamos amplamente presenteados de pistas de como retomar essa conexão”.

Capa "Desnaturada" de Ailton Krenak e Fabiano Piúba. Foto: Jandaíra / Divulgação.Desnaturada: cultura & natureza

Oraganizadores: Ailton Krenak e Fabiano Piúba

Ano: 2022

Páginas: 192

Idioma: Português

Editora: Editora Jandaíra

Compre aqui.

Texto: Nayra Wladmila
Revisão e edição: Juliana Carvalho
Montagem da página: Alice Palmeira
Direção: Marcos Colón

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