O Colonialismo Reverso e a cultura afro-indígena do Amapá
Artigo analisa como os instrumentos e ritmos tradicionais, como o Marabaixo e o Batuque, se tornam veículos de Colonialismo Reverso no Amapá
Cortejo da Murta, Karipunas e outras manifestações decoloniais do Amapá. Fotos: Estado do Amapá. Arte: Fabrício Vinhas.
[RESUMO] Este artigo é o terceiro da ´serie de textos sobre a cultura afro-indígena no Amapá e suas manifestações na produção musical por comunidades tradicionais locais em sua luta para se perpetuar. O colonialismo digital vem aflorando de forma vertiginosa com a internet, pondo em risco as manifestações locais como Zimba do Cunani, que está na beira da extinção. Aqui analisaremos essa realidade e proporemos algumas possíveis estratégias de manutenção dentro dos conceitos do Colonialismo Reverso e do Instrumento Totem.
Retorno ao Amapá…
Este artigo analisa as relações socioculturais das práticas musicais nas comunidades negras do Amapá em pesquisas diretas em dois períodos. Primeiro no final de 2023 no Quilombo do Curiaú, em Mazagão Velho, na comunidade da Pedreira da Lontra; bem como em conversas com artistas e produtores da cultura local das comunidades do Laguinho e da Favela, redutos de manutenção das práticas ancestrais, no segundo período em maio/junho de 2024 durante a realização do Ciclo do Marabaixo em Macapá.
E ainda em visitas no Distrito do Carvão, em Mazagão, com a prática do Çaire; e no quilombo de Cunani, em Calçoene, com a prática do Zimba; e no Distrito da Comuna do Maruanum com a prática do Marabaixo e a técnica centenária das Louceiras. Também foram visitados a reserva do Manga da etnia Karipuna no Oiapoque e a reserva de Pedra Branca do Araguarí, da etnia Wajãpi.
Neste retorno ao Amapá tive oportunidade de ampliar minha pesquisa participando de alguns momentos do Ciclo do Marabaixo como o Cortejo da Murta e da Derrubada dos Mastros encerrando o Ciclo.
Em viagem ao Oiapoque, tive contato com a etnia indígena Karipuna na Reserva do Manga, como também de conhecer o ritmo Zimba no quilombo do Cunani, um território enorme próximo a Calçoene, norte do Estado, que foi a República do Cunani, passando pelo Parque Arqueológico do Solstício, no caminho que liga o município de Calçoene e o Quilombo do Cunani.
Fui recebido no Distrito do Carvão pela comunidade que simulou trechos da festividade de São Tomé para que eu pudesse gravar, o mesmo ocorrendo com a visita a Comuna de Maruanum. Também tive a oportunidade de lançar meu livro em parceria com o poeta amapaense Joãozinho Gomes, “A Libido de Érato“, recém-publicado.
Assim, nesse período de três semanas de pesquisas e entrevistas, busquei ampliar a realidade que me deparei na visita anterior e que gerou a produção de dois artigos, um sobre a singularidade do toque das caixas de Marabaixo – A singularidade por uma mídia decolonial: A música afro-indígena do Amapá, suas características comunitárias e interinfluências, e o artigo Etnografia Global – uma análise prática do colonialismo reverso na cultura negra do Amapá através de uma mídia decolonial, que abordei um tanto dessa realidade encontrada a qual chamei de etnografia global.
Isso porque pesquisar essas comunidades não me levava às suas raízes culturais ancestrais, e sim à simbiose delas com o mundo midiático global, uma absorção de modismos que adentram culturas trazendo um forte risco de extinção das tradições. Nesse terceiro artigo, além dos relatos, abordaremos algumas propostas e caminhos de preservação, a serem feitos através das práticas as quais chamo de Colonialismo Reverso e Instrumento Totem.
Novo Percurso do Exerido: Ampliando horizontes
Recapitulando o percurso anterior onde foram visitados o quilombo do Curiaú com gravações feitas dos mestres e músicos locais Adelson Preto, Paulinho Bastos (Laguinho) e Pedro Bolão, que também é construtor de instrumentos de percussão; e Esmeraldina dos Santos, escritora e compositora.
Nessa visita foram gravados depoimentos e toques das caixas, para captar a singularidade de cada executante, e o depoimento fundamental de Esmeraldina para a o desenvolvimento de fatores cruciais para o conceito do Colonialismo Reverso, bem como a influência da dinâmica artesanal dos construtores de instrumentos e a relação do conceito Instrumento Totem.
Na sequência fomos para Mazagão Velho onde encontramos o mestre Josué Videira que além de músico e construtor também é educador e mantenedor das culturas do Marabaixo e do Vominê, onde gravamos toques e fundamentamos muito das relações desses novos conceitos.
Na visita a Lontra da Ribeira as relações da Etnografia Global se afloraram, quando dentro uma comunidade ribeirinha no meio da Amazônia, a internet passa a ditar os caminhos da cultura.
Ciclo do Marabaixo
Nesse retorno, o primeiro evento ao qual participei foi o Cotejo da Murta, mas como são muitas as comunidades e barracões que participam dos festejos do Ciclo do Marabaixo, precisei escolher em qual participar e assessorado por meus amigos locais fui ao cortejo que somava várias comunidades e recepcionavam ao mesmo tempo visitantes africanos convidados para a III Semana Amapá África Amazônica 2024, que abordou o tema ‘Ancestralidade Genética Africana: da ampliação ao acesso às conexões paradiplomáticas Brasil-África‘, com uma vasta programação de 19 a 25 de maio, em Macapá, e a participação de comunidades quilombolas e representantes da cultura popular, do turismo, do meio ambiente e de mulheres negras.
Após esse cortejo me encaminhei para a roda de marabaixo no barracão da Dica Congó – Raizes da Favela, aproveitando para gravar os toques das caixas da Favela. Essas Rodas de Marabaixo varam a noite terminando ao amanhecer, com cantores se revezando nos ladrões e músicos se sustentando nos toques com goles de gengibirra. Fato que me deparei foi que na roda só havia negros, acredito que a comunidade, achava que a manifestação atraia uma diversidade de habitantes do Macapá assim como o carnaval carioca, porém, de branco no toque, somente eu.
Quando sai de lá tomei o caminho da orla do Rio Amazonas, onde mesmo domingo à noite, fervilha de transeuntes e frequentadores de quiosques que em sua maioria mantém suas TVs ligadas a internet em canais de música sertaneja ou outros modismos midiáticos. Ou seja, estamos novamente dentro da discussão sobre as relações da Etnografia Global. Ao irmos para uma festa regional tradicional o que encontramos é a sociedade envolvida nas redes midiáticas globais e não nas ações regionais.
Em busca da terra do Zimba
Dias depois parti para o Oiapoque, o ponto mais ao extremo norte do Brasil, divisa com a Guiana Francesa, onde fiz uma pequena visita, porém, sem passaporte não consegui ir a Caiena onde existe uma riqueza de ritmos de origem afro e que conversam direto com alguns da região Amazônica como o Carimbó e o Zimba.
Nossa ida foi direta para o Oiapoque onde haveria a festividade do aniversário da cidade, que fez 78 anos, fato que nos mostra uma certa exclusão federal do norte do país, isso afetando diretamente na preservação de seu povo e na qualidade de vida, bem como na preservação do meio ambiente e da cultura.
A festa não era meu foco, já que, geralmente, todas são formatadas pelos modismos midiáticos, uma espécie de hipnose coletiva que agrega zumbis, mas sim a possibilidade de adentrar um pouco nas raízes locais, sendo a mais significativa o universo das reservas indígenas da região.
São três reservas na região Galibi, Uaçá e Juminã, somando uma área de mais de 500.000 hectares, com quatro povos: os Palikur, os Karipuna, os Galibi-Kali’na e os Galibi-Marworno.
Depois de provar o melhor chocolate de minha vida, fiz uma visita a uma loja indígena na cidade, o Empório Uasei, onde conversei com a atendente (indígena).
Perguntei se não tinham instrumentos musicais que eu pudesse incorporar nas minhas músicas e ela me disse que geralmente os instrumentos são sagrados não sendo comercializados. Porém, poderia conseguí-los direto nas aldeias, e, assim, consegui o contato do cacique Vagne, da Aldeia Karipuna do Manga, organizando uma visita para o mesmo dia, no final da tarde.
Os Karipunas do Manga
A distância da cidade à aldeia era pequena, com um curto trecho de terra. Chegamos por volta das 17h para sermos recebidos no Centro Comunitário pelos Cacique José Lito, Vice Cacique Vagne, e outras pessoas da comunidade, onde conversamos sobre as relações socioculturais pós colonialismo, suas consequências e as opções da restauração de suas raízes culturais.
Os Karipuna já perderam sua língua originária, o aruaque, usando hoje o lanc-patuá uma língua crioula falada no Caribe e na Guiana Francesa, porém, junto com seus hábitos culturais ainda preservados, incluem seu aprendizado no currículo escolar.
Entre muitos assuntos me convidaram para as festividades que ocorrem no final de outubro onde fariam alguns instrumentos para mim, porém, já deixando claro que eles são efêmeros, temporários, principalmente as flautas feitas de taboa que ressecam e racham, na verdade, tendo uma função específica para o ritual. Em relação ao fato de serem sagradas, são somente, as depois de feitas, abençoadas pelos pajés.
Dentro do universo do meu conceito do Colonialismo Reverso, conversamos sobre uma proposta que está acontecendo nessa aldeia, que é a formação de um grupo artístico que busca trabalhar os conceitos culturais dos rituais em propostas artísticas, algo que não faz parte da cultura indígena em geral, onde não se faz a arte pela arte e sim somente dentro de um significado ritualístico.
Ao Encontro do Zimba – Calçoene e Cunani
Retornando do Oiapoque fomos direto para Calçoene onde já havíamos combinado com a Professora Lourdes Gurjão presidente da Associação Raízes do Cunani, um encontro com os músicos do Zimba para gravá-los e registrar seus depoimentos, como tenho feito em todas as visitas, porém, a professora Lourdes não conseguiu organizar os músicos devido a crise que permeia no universo do Zimba, como ela conta em seu relato.
Junto com a Lourdes, no barracão que a Associação mantém em Calçoene, estava Marlúcio Monteiro, uma pessoa muito integrada nas atividades sociais e rurais da região com ligações familiares no quilombo do Cunani, indignado com a situação de eu não poder ouvir e gravar o zimba, de imediato pegou o celular e acertou uma visita ao quilombo para que eu pudesse fazer a almejada pesquisa, assim, partimos para o Cunani ao encontro do zimba.
Logo na chegada fomos apresentados ao Clodoaldo Alves Chagas, que nos aguardava para dar seu depoimento, e, depois de uma busca difícil por batedores dispostos a nos mostrar o toque do zimba, finalmente, Rodivaldo Alves Chagas se juntou a Clodoaldo para a gravação da pequena performance, porém, bastante elucidadora, podendo assim transcrever o toque local.
O fator crucial neste artigo é a discussão dessa realidade de desmonte. Vejam que nessa busca por um tocador aconteceu uma conversa tipo – só vou por cinquenta! – E quero explanar um pouco disso, que mais a frente será o desfecho desse artigo.
Temos de entender que saberes e fazeres tem valor de mercado e principalmente quando são acessados, buscados, solicitados, nós músicos e artistas sempre vivemos a realidade de uma submissão a um mercado explorador escravista, onde permitem que você mostre seu trabalho em troca de um troco ou uma birita, uma boca livre.
Então, nesse pequeno parênteses, sim, Rodivaldo tinha toda razão em querer valorizar seus saberes solicitados, apesar de não o ter feito. Antes de partirmos os sogros de Marcílio, João Amâncio e Roseneia nos ofereceram o melhor açaí da região, o chumbinho do Cunani.
Stonehenge Arawak/Palikur e o Çairé do Distrito do Carvão
Nessa estrada que liga Calçoene a Cunani fica o Sítio Arqueológico do Solstício, um parque megalítico de uns 2000 anos, que de acordo com os cacos cerâmicos encontrados, foi construído pela etnia Arawak que tem como descendentes hoje o povo Palikur, que vivem na reserva do Uaçá. Por detrás de uma porteira, dessas de fazenda, fechada com um cadeado, está um dos sítios arqueológicos mais importantes do país, ou seja, o descaso com nossa cultura é uma constante em todas as áreas.
Nos meus artigos anteriores tive uma ajuda, para entender e transcrever os toques do çairé, da Associação Cultural São Tomé, através da Trícia Tereza Barreto Santana, que me mandou vídeos e links e quando dessa última ida combinamos uma visita nossa ao Distrito, que ocorreu em no sábado primeiro de junho.
Ficamos deslumbrados com a recepção que tivemos, onde a comunidade praticamente simulou a Festa de São Tomé para que pudéssemos conhecer e gravar, com depoimentos detalhados, de Tereza Barreto Santana; e o Coló, Manuel Eleitério Pereira.
Nessa visita levei comigo meu grande amigo e músico do marabaixo, Paulinho Bastos; e o antropólogo do IPHAN, Cristiano Kolinski; para conversas com a associação para os procedimentos necessários para o tombamento do Çairé como patrimônio imaterial do Brasil, fato que já está em andamento.
A Libido de Érato
Lançar o livro de poemas do Joãozinho Gomes com ilustrações minhas foi um acaso muito bem-vindo, pois, a impressão dos exemplares, calharam de estar em minhas mãos dias antes de partir para o Amapá.
Citar aqui esse lançamento de um trabalho que ficou 10 anos em busca de se realizar, faz todo o sentido quando meu foco, nesse artigo, é discutir as relações culturais num processo de colonialismo reverso e buscar formas e ampliar o debate sobre o descaso com a cultura.
Também pelo fato do livro se tratar de poemas eróticos onde a libido de Érato, uma das 8 musas virgens, filhas de Zeus, serve de cenário para os sonhos libidinosos de quem quer sejam, deuses ou mortais. Assim tentaremos, através desse trabalho, abrir espaço para o debate da sexualidade nas artes e fundamentar a necessidade da educação sexual nas escolas, visto que, mais de 70% das vítimas de estupro, de acordo com o último mapeamento, são de menores dentro de suas próprias casas.
O Povo Wajãpi
De Macapá a Pedra Branca do Araguari são uns 180 Km de chão, como se diz sem asfalto; e depois mais uns 120 Km até o território Wajãpi.
A ideia era ficar lá no acampamento uns dias, porém, o coordenador da aldeia, Viceni Waiãpi estava de viagem com a cacique Nazaré para Nova Iorque onde foram receber um prêmio, então conversei com Maraté, marido da cacique, que me convidou para retornar no período das festas para aprender a construir e tocar suas flautas e participar dos festejos, as festas começam em setembro e permanecem até dezembro, nos meses de verão, sem muitas chuvas. Farei o possível.
De imediato notei uma enorme diferença entre os povos Karipuna do Manga e dos Wajãpi, com seus nomes em Tupi-guarani, falam mal o português, usam tangas e pregam fortemente a manutenção das tradições enquanto os Karipunas têm nomes de branco, roupas de branco, casas de brancos, vivem uma vida de branco numa reserva que parece um bairro de periferia do Oiapoque, mas também nessa conversa pregaram um retorno as tradições.
Isso aconteceu muito nas conversas em geral, todos contam desse retorno e dos períodos em que eles próprios tinham vergonha de suas tradições, de suas realidades, relações típicas do preconceito a que chamam hoje de estrutural. Porém o que temos, ainda hoje, é uma realidade de extermínio dos povos originários, um holocausto colonialista que não perde sua força, como mostram os dados do recente relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) .
Comuna de Maruanum as louceiras do marabaixo
Em meia hora de conversa com dona Jucicleide (Pereira da Costa) conheci os ritos básicos de transformar o barro retirado na estiagem do Rio Maruanum, sua mistura com as cinzas da casca do cariapé que lhes permite a queima da peça em fogueiras, sem a necessidade de fornos.
Não existe uma louceira que não seja uma dançarina dos toques de marabaixo ou cantora dos ladrões, essas narrativas cantadas de suas histórias.
Em Maruanum também fomos recebidos com honras, pelo grupo de marabaixo dos jovens locais, trajados a caráter, fazendo uma apresentação de seu trabalho, um marabaixo renovado e liderado por Reginaldo Santos da Silva, que é o cantor e compositor dos ladrões do Grupo Nova Geração.
Instrumento Totem
Desde muito tempo, como coordenador no Conservatório de Tatuí, interior de São Paulo, falava para os meus alunos que eles é que eram instrumentos dos seus instrumentos. Afinal, o que se dedicavam a fazer de forma regrada e cotidiana era manter a cultura do seu instrumento escolhido através do seu repertório.
Como diria Oswald de Andrade no Manifesto Antropófago, “Conservatórios do tédio”, depois de 100 anos o tédio se perpetua numa mesmice incomensurável, são séculos de imposições preconceituosas e excludentes de uma cultura europeia, que ao que parece, se tornou uma verdade incontestável.
Quando se vai para um instrumento encontra-se um totem, um ídolo inconteste, com toda uma carga sonora e seu santos discípulos a ele vinculado e idolatrados, o estudo desse pseudo instrumento passa por um processo de condicionamentos mecânicos, culturais, estilísticos, históricos e sociológicos, onde em nenhum momento será dada a liberdade de se “brincar” com ele.
Assim esses aprendizes de instrumento os cultuam usando brincos, anéis, chaveiros, roupinhas etc. com suas imagens, qual ídolos religiosos. Porém, esses instrumentos totem possuem uma característica que podemos usá-las como uma das molas ativadoras do colonialismo reverso, que é a sua existência física, alheia ao toque, ao som que produzem, somente com a sua imagem ele carrega uma espécie de cartão de visitas para que conheçamos o seu habitat, suas origens, suas histórias.
Tomemos o exemplo de uma alfaia, tambor do maracatu, se procurar na internet, encontrará de imediato, com links para compra em parcelas e tal, porém, se procurar um caixa de marabaixo, só encontrará informações de sua existência, teses, entrevistas, mas não poderá comprá-la.
O que nos leva a realidade zoológica do conceito de preservação cultural, manter as culturas dentro de seus nichos, através de parcos subsídios e políticas públicas sem a liberdade do avanço mercadológico que leva a preservação libertária e invasiva, que a tornará produto de mercado mundial, ícone dessas culturas.
Chico Science fez isso com o Maracatu, assim como muitos fizeram com o samba, procuremos cuica, lá está ela em parcelas e entregue em sua casa ou o choro e seu cavaquinho.
O Colonialismo Reverso
Villa Lobos incluiu a cuica ou roncador em suas composições há mais de 100 anos, a cuíca como instrumento totem é um colonizador reverso, ele entra na sua vida com toda a sua cultura, se torna puita ou pwita, tambor onça, sabe-se então que veio de Angola, que passou a fazer parte nas escolas de samba nos anos 1930 e daí entra os saberes do samba e da música urbana carioca.
Berimbau e queixadas foram usados em festivais dos anos 1960, junto com a guitarra elétrica e a passeata contra sua inclusão na MPB protagonizada por Elis Regina e Gilberto Gil em 1967, que logo depois a incluíram em seus trabalhos.
Temos aqui um exemplo claro de colonialismo cultural, que era na verdade o que a Elis Regina sentia naquele momento, a invasão de um instrumento totem trazendo com ele toda a sua carga cultural saída dos recônditos do blues adentrando o Rock e se transformando no maior símbolo de protesto com seu Overdrive.
Em Tatuí no curso de MPB que criamos em 1990, onde fui coordenador até 2016, tínhamos uma média de 1000 inscritos e 50% era para guitarra mpb/jazz, agora não era mais a guitarra, era o blues, o rock e tudo mais que ela trouxe para dentro da música brasileira.
Assim temos o conceito do Colonialismo Reverso, a reversão do processo colonial cultural com a inclusão dos ícones representantes das culturas nas músicas da mídia. Pensei algo assim como elemento de construção dessa prática, além da inclusão de elementos rítmicos, como colocar os toques no norte na música do sul ou vice-versa, pensei em escrever um projeto para que grupos que replicam as músicas da mídia em bares e festas, passem a incluir músicos de percussão de ritmos como o zimba, o marabaixo, o çairé, etc.
Isso dentro do universo do Amapá, por exemplo, em suas apresentações e o projeto pagaria (via editais) um cachê a mais para o grupo, assim, o sertanejo seria colonizado pelos zimba e outros toques gerando emprego e renda para os batedores e com isso profissionalizando seus tocares.
Um princípio de um pensamento que se estende como a relação óbvia da manutenção de escolas, nesses redutos culturais, com pagamento de salário para os mestres ensinarem e preservarem suas tradições.
Em 2018, estive em um encontro de ONGs na Funarte do Rio de Janeiro para discutirmos os caminhos do retorno do ensino de música nas escolas. Durante os dias do evento houve apresentações de grupos de projetos de comunidades.
Lembro-me bem de uma delas que começou com um professor tocando guitarra e três meninas tocando violino, músicas de Vivaldi, aquilo soava muito mal, triste como as feições das meninas, logo a seguir entrou um grupo de Coco, tocando e dançando, uma energia contagiante, o público em pé participando.
Então se fez claro em minha cabeça o conceito do Colonialismo Reverso, era só pôr o Coco no Vivaldi que o processo pedagógico alcançaria resultados muito maiores e muito mais rápido.
Referências
Paulo Eduardo Flores da Silva é bacharel em Artes, Flauta Transversal, Composição e Regência (1981) pelas Faculdades de Artes Alcântara Machado (Faam-FMU). Músico, artista plástico e escritor, criou trilhas, jingles e vinhetas para rádio, TV, vídeo e cinema. Suas composições já foram premiadas em vários festivais dentro e fora do país. Docente do Conservatório de Tatuí desde 1981, onde foi co-criador do Departamento de Música Popular Brasileira e Jazz, e do Festival Brasil Instrumental. Criador da premiada ONG Brasil Cultural em 2009, para ações sociais no campo das artes. Escritor e artista plástico, possui obra em acervo permanente no MAC de Pernambuco. Atualmente, é pós-graduando no PPGMUS da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).
Guilherme Sauerbronn de Barros é bacharel em Piano pela Unirio (1994), mestre em Música – Piano pela UFRJ (1998) e doutor em Musicologia pela Unirio (2005). É professor titular na Udesc e vice-coordenador do PPGMUS/Udesc, onde orienta trabalhos de mestrado e doutorado e coordena projetos de pesquisa. Tem vasta experiência como camerista e desenvolve pesquisa nas áreas de análise musical, epistemologia e interpretação musical. É membro do corpo editorial da revista Debates (Unirio), editor convidado do Art Reseach Journal e editor permanente da revista Orfeu, do PPGMUS-Udesc. É membro da diretoria da Associação Brasileira de Teoria e Análise Musical (TeMA) desde 2018, onde atualmente ocupa o cargo de Vice-Presidente.
Revisão: Glauce Monteiro
Montagem da Página: Alice Palmeira
Arte: Fabrício Vinhas
Direção: Marcos Colón